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Mensagens

A mostrar mensagens de maio, 2007

Inscrições sobre as ondas

Mal fora iniciada a secreta viagem um deus me segredou que eu não iria só. Por isso a cada vulto os sentidos reagem, supondo ser a luz que deus me segredou. poema de David Mourão Ferreira ilustração "Walking" de Anne Horst

Hometown

Han Wu Shen

Awaiting the return

Espero o teu regresso na luz da tarde Olhando o caminho quase adormecido, E o vento levanta as folhas perdidas Cantando perto do meu ouvido. Espero quieta e ansiosa Pelo riso do teu olhar, E pela dança das tuas mãos Que me fazem sossegar. Ao longe como uma árvore Vejo-te crescer do chão, E o tremor alegre dos teus passos Embala já o meu coração. Ana Isabel pintura de Han Wu Shen

Canção para a minha filha Isabel adormecer quando tiver medo do escuro

Nem sombra nem luz nem sopro de estrela nem corpinhos nus de anjos à janela nem asas de pombos nem algas no fundo nem olhos redondos espantados do mundo nem vozes na ilha nem chuva lá fora dorme minha filha que eu não vou embora poema de António Lobo Antunes pintura "Lullaby" de Pierre Delattre

Águia e andorinha

A minha mãe deu-me asas para eu voar mais alto que as chaminés das casas sem sentir o sobressalto que às vezes, ao voar, faz tremer as aves com medo de poisar. Não tenho penas nem bico, mas sou águia e andorinha nestes ramos em que fico. poema de Luís Infante pintura "Crianças voadoras" de Paula Rego

Rapariga descalça

Chove. Uma rapariga desce a rua. Os seus pés descalços são formosos. São formosos e leves: o corpo alto parte dali, e nunca se desprende. A chuva em Abril tem o sabor do sol: cada gota recente canta na folhagem, O dia é um jogo inocente de luzes, de crianças ou beijos, de fragatas. Uma gaivota passa nos meus olhos. E a rapariga - os seus formosos pés - canta, corre, voa, é brisa, ao ver o mar tão próximo e tão branco. poema de Eugénio de Andrade ilustração de Janice Fried

Healing Circle

Janice Fried

Beach Scene

Winslow Homer

Mar

I De todos os cantos do mundo Amo com um amor mais forte e mais profundo Aquela praia extasiada e nua, Onde me uni ao mar, ao vento e à lua. II Cheiro a terra as árvores e o vento Que a Primavera enche de perfumes Mas neles só quero e só procuro A selvagem exalação das ondas Subindo para os astros como um grito puro. Sophia de Mello Breyner Andresen

Mãos

Côncavas de ter Longas de desejo Frescas de abandono Consumidas de espanto Inquietas de tocar e não prender. poema de Sophia de Mello Breyner Andresen ilustração "Parenting" de Tracy Walker

Poema à Mãe

No mais fundo de ti, eu sei que traí, mãe! Tudo porque já não sou o retrato adormecido ao fundo dos teus olhos! Tudo porque tu ignoras que há leitos onde o frio não se demora e noites rumorosas de águas matinais! Por isso, às vezes, as palavras que te digo são duras, mãe, e o nosso amor é infeliz. Tudo porque perdi as rosas brancas que apertava junto ao coração no retrato da moldura! Se soubesses como ainda amo as rosas, talvez não enchesses as horas de pesadelos... Mas tu esqueceste muita coisa! Esqueceste que as minhas pernas cresceram, que todo o meu corpo cresceu, e até o meu coração ficou enorme, mãe! Olha - queres ouvir-me? -, às vezes ainda sou o menino que adormeceu nos teus olhos; ainda aperto contra o coração rosas tão brancas como as que tens na moldura; ainda oiço a tua voz: Era uma vez uma princesa no meio de um laranjal... Mas - tu sabes! - a noite é enorme e todo o meu corpo cresceu...Eu saí da moldura, dei às aves os meus olhos a beber, Não me esquecerei de nada, mãe. G

Fresh Air

Winslow Homer

A arca de Noé

Sete em cores, de repente O arco-íris se desata Na água límpida e contente Do ribeirinho da mata. O sol, ao véu transparente Da chuva de ouro e de prata Resplandece resplendente No céu, no chão, na cascata. E abre-se a porta da Arca De par em par: surgem francas A alegria e as barbas brancas Do prudente patriarca Noé, o inventor da uva E que, por justo e temente Jeová, clementemente Salvou da praga da chuva. Tão verde se alteia a serra Pelas planuras vizinhas Que diz Noé: "Boa terra Para plantar minhas vinhas!" E sai levando a família A ver; enquanto, em bonança Colorida maravilha Brilha o arco da aliança. Ora vai, na porta aberta De repente, vacilante Surge lenta, longa e incerta Uma tromba de elefante. E logo após, no buraco De uma janela, aparece Uma cara de macaco Que espia e desaparece. Enquanto, entre as altas vigas Das janelinhas do sótão Duas girafas amigas De fora as cabeças botam. Grita uma arara, e se escuta De dentro um miado e um zurro Late um cachorro em disputa

Uma formiga

Uma formiga de dezoito metros Com um chapéu na mão Não existe não existe não Uma formiga puxando um camião Cheio de pinguins e de patos Não existe não existe não Uma formiga falando francês Falando latim e javanês Não existe não existe não E já agora por que não? poema de Jorge Sousa Braga ilustração de Cristina Valadas

Butterflies and Poppies

Vincent Van Gogh